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"A hora do encontro é também despedida..."

  “Foi um mês intenso. Vivemos uma vida inteira em um mês”. É assim que Meiri se refere ao momento mais marcante entre as três filhas de Roseli.

Roseli, mãe biológica de Vick
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Últimos dias de Roseli com as filhas no hospital

"A hora do encontro é também despedida..."

  “Foi um mês intenso. Vivemos uma vida inteira em um mês”. É assim que Meiri se refere ao momento mais marcante entre as três filhas de Roseli.

  Dona de uma personalidade forte, Roseli sempre foi muito resistente ao falar de sentimento. Algumas vezes chegava a ser dura até demais. Mesmo doente e debilitada, seu orgulho falava mais alto. Diagnosticada com câncer no ovário, Roseli se via cada dia mais dependente das filhas, porém não deu o braço a torcer nem por um segundo. Mas, mesmo assim, obteve ajuda.

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  Tudo aconteceu entre maio e junho de 2015 e Vick já morava em Mogi das Cruzes. Roseli teve que ser internada por conta da doença. Meiri, a filha mais velha, não podia ficar acompanhando a mãe no hospital porque, além do Henrique, seu filho de 5 anos, ela tinha também Heitor, o mais

novo, que ainda era um bebê e precisava dela. Marciellen cuidava das questões financeiras e pessoais que a mãe deixou da porta do hospital para fora. Por ser fonoaudióloga e acompanhar pacientes com casos mais agravantes, Vick ‘levava jeito’ para cuidar de Roseli, além de entender um pouco mais sobre a doença, em vista das irmãs.

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  Foi nesse momento que Vick resolveu se prontificar a ficar no hospital com Roseli. Deixou para trás sua rotina, seu trabalho, o conforto do seu cantinho e voltou para Cruzeiro. Ao perguntar o porquê dessa decisão, ela nem pensou para responder: “Porque eu amo o ser humano, amo ajudar as pessoas, independentemente de quem ela era. Eu sabia que precisaria de uma ajuda específica e que as minhas irmãs, de certa forma, talvez, não conseguiriam lidar. Bom, às vezes, até conseguissem sim, mas eu sabia que eu tinha que ir porque ela também é uma parte da minha história”, contou Vick. Meiri e Marciellen afirmam que foi um momento complicado para todas elas, porém, propício para uní-las ainda mais.

   Roseli ainda tinha esperança de conseguir reverter o quadro de saúde em que se encontrava. “Ela teve câncer no ovário, fulminante. Quando descobriram já não tinha mais o que fazer e eu que tive que contar para ela”, relembra Vick. Nesse dia, ela conversou com sua mãe e perguntou o que ela sabia sobre a doença. Roseli respondeu que teria que fazer quimioterapia e operação. Desta forma, Vick deu a notícia.

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   “Falei para ela ‘então, não vai fazer nada. Sabe o que é nada? Nós não vamos fazer nada!’ Tomei essa decisão porque eles já estavam me enlouquecendo dizendo que eu teria que vir para São Paulo fazer alguma coisa por ela, mas eu já sabia que não dava. Se tivesse o que fazer, provavelmente eu teria feito, mas, mediante aos exames e a minha conversa com a doutora, eu sabia que não havia mais escapatória”, revelou Vick. 

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   O câncer de Roseli estava do grau três para quatro, considerado estágio final. Desde então, durante um mês, Vick ficou em Cruzeiro, ajudou e cuidou dela. Mas, até mesmo, em um momento tão delicado, Roseli não estava satisfeita. “Ela com o gênio difícil que tinha, eu com o meu e não sou obrigada a nada, falei ‘bom, fica na sua que eu vou ficar bem na minha’, porque ela nunca me fez falta como mãe, quer dizer, ela fez sim, porque se tivesse sido minha mãe, né?! Mas eu digo com relação à base familiar mesmo. Então, aquele foi um momento importante para mim porque eu sabia que precisava ajudar, não ia conseguir ficar aqui em Mogi sabendo que ela precisava de ajuda, mesmo não dando o braço a torcer”, relembra Vick. 

  Roseli era exigente. Não usava roupa de cama do hospital, era tudo de sua casa. Todos os dias, Vick lavava o edredom, as toalhas... Mas, mesmo assim, não era do agrado de sua mãe. “Se eu fazia doce, ela queria salgado. Se fizesse salgado ela queria doce. Se fizesse os dois, ela não queria nenhum. Fui com o maior carinho, mas ela não se deixou cuidar porque a Roseli não tinha essa receptividade. Pelo menos, a nosso ver, meu e das minhas irmãs, para ela aquilo não estava bom. Foi um momento difícil, mas de muito aprendizado. Eu aprendi que as pessoas só dão aquilo que têm”, revela Vick.

   Roseli não precisava fazer o papel de “mãe babona” ou amorosa, mas deveria ser menos rude ao falar com as pessoas. É assim que Vick aponta o que esperava dela. Mas, como todo mundo, além dos defeitos, Roseli tinha também suas qualidades. “Em partes, ela era extrovertida, conversava bem, tinha boas ideias, administrava brilhantemente sua vida, era muito organizada, limpa. Ela gostava de fazer as coisas de forma metodicamente certas”, diz Vick. Roseli recebia um dinheiro de seu pai (avô de Vick). Esse salário era destinado às contas maiores da casa. O dinheiro que recebia de seu trabalho como diarista era para suas regalias. “Quem a olhava trabalhando nas casas e depois a via saindo, era outra pessoa. Ela nunca usou nada inferior. Era só sapato da Arezzo, de marca. Foi para a Bolívia fazer uma missão com a igreja dela, tinha passaporte e tudo o mais. Coisa que eu nem tenho ainda, mas tudo bem! (risos)”, lembra Vick. 

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  Roseli era muito boa com as pessoas, sempre gentil e prestativa. Mas, com as filhas, ficava na defensiva porque, na realidade, não sabia lidar com a situação. Porém, elas jamais a deixariam sozinha em um momento tão delicado. 

   Quem é meu pai?

  Vick aproveitou a situação para finalmente perguntar quem é seu pai. Mas, como sempre, Roseli continuava resistente. “Ela chamou todo mundo para conversar e pedir perdão. Foi a sogra, o ex-marido... Mas, para mim, ela não falava NADA! Eu não fiquei esperando, mas, depois, pensei ‘nossa, ela fala com todo mundo, né? Acho que não deve ter nada para falar comigo’”, conta Vick. 

 

  Dona Ivone, uma senhora que Vick considera muito, disse a ela para perguntar de seu pai. “A palavra gatilho que me fez perguntar para Roseli, foi o que ela me disse assim ‘você não vai trair o seu pai (Victor), se você perguntar quem foi o seu pai biológico. O seu pai sempre vai continuar sendo seu’. Aí, chegando em Cruzeiro, a Roseli melhorou, piorou, ficou naquele vai e vem, eu ia e voltava, até que a Tina perguntou: ‘Olha, você não vai perguntar para Roseli quem é seu pai, não? Porque, se essa mulher morre, só ela sabe e esse peso vai ficar, então eu acho que você tinha que perguntar. É a minha opinião para você não se arrepender depois’ (risos). Duas pessoas opostas falando a mesma coisa? Então, eu resolvi acatar”, contou Vick. 

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  Desta forma, certo dia, Vick foi dar banho em Roseli e perguntou se ela tinha algo para dizer. A resposta foi não. Mas mal sabia que sua filha teria! 

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   “Eu falei que não tinha raiva dela, que minha mãe (Maria José) não me criou para sentir ódio das pessoas e eu sabia que ela não falava nada para mim porque eu era o assunto mais difícil da vida dela; que se queria ouvir essa palavra da minha boca, eu iria falar para ela que a perdoava por ter me doado; e eu queria saber quem era o meu pai”, disse Vick. 

  As duas conversaram. Vick conta que Roseli chorou bastante e finalmente revelou quem era seu pai. Ele reside em Cachoeira Paulista, cidade do interior de São Paulo que fica a mais ou menos 20 minutos de Cruzeiro. Ele sabe da existência de sua filha. Vick não se lembra do nome dele e disse que nunca o procurou e nem tem vontade. Uma vez, um sobrinho de Roseli enviou um link pelo Facebook de Vick e disse: “Esse é o seu irmão”. Ela entrou no perfil e viu foto do rapaz com o seu suposto pai. “Eu não achei nada parecido comigo, puxei pela Roseli mesmo”, afirma.

   Vick revela que não tem certeza de nada, mas pode ser que um dia os dois se encontrem, porém, até agora, ela nunca teve curiosidade de ir atrás dele.

   “Depois dessa conversa, eu senti um mundo saindo das minhas costas. Mas era uma dor, um peso, não de sofrimento, mas acho que só quem é filho adotivo e passa por essa situação vai saber como é esse laço que liga. Afinal de contas, não é à toa que somos gerados nove meses dentro de uma barriga, então ali já é criada uma relação. E, depois que ela contou tudo, chorou e pediu perdão, eu a perdoei e ficamos tranquilas. Foi importante; se eu tivesse que fazer tudo de novo eu faria, da mesma forma, sem tirar e nem pôr! ”, revela Vick. 

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  O momento do encontro, da reconciliação e do perdão foi também o da despedida. No dia 24 de junho de 2015, aos 53 anos, Roseli se foi. Vick conta que ela programou sua morte, pois queria deixar todas as contas pagas e tudo em seu devido lugar. “Foi a coisa mais difícil da minha vida, eu espero não passar por isso de novo. Nunca mais! ”, é o que Vick revela. 

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   Para Vick, não foi fácil sair de sua zona de conforto e voltar para Cruzeiro. Ela diz que ‘gastou o que não tinha’ e o tempo que ficou cuidando de Roseli, não trabalhou, logo, não recebia seu pagamento. “Tinha gente achando que eu estava abafando, mas não. E também não fiz pelos outros, eu fiz por ela e por mim. E, querendo ou não, foi bom. Foi um momento em que eu tirei uma carga muito pesada das minhas costas e não sabia o que era”, pondera Vick. 

  Meiri e Marciellen afirmam que foi um momento delicado, porém oportuno para maior aproximação entre as três. E me arrisco em dizer que essa “oportunidade” não se limitou apenas a elas. Vick recebeu um elogio de alguém que não esperava: Tina! 

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   “A Tina nunca me pediu perdão por não ter ido a minha formatura. Mas, depois que eu cuidei da Roseli, ela me deu um abraço e falou assim: ‘Nossa, nunca esperei essa atitude de você. Eu estou muito feliz, mais do que no dia da sua formatura, e mais feliz ainda por você ter herdado uma coisa tão bonita que a mãe tinha: o dom de ajudar as pessoas. Acho que nem eu tenho tanto esse dom, estou muito orgulhosa de você’. Não sei se ela se lembra disso, mas eu lembro. Foi o que ela me falou”, revelou Vick. 

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   Tudo foi esclarecido. Vick já não possui mais dúvidas sobre sua história. A carga que pesava em seu emocional não existe mais. O mundo realmente dá muitas voltas. Roseli doou sua caçula para outra família. Vinte e nove anos depois, Vick não pensou duas vezes antes de renunciar à sua vida particular para dar assistência a sua mãe biológica quando mais precisava.

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   Roseli, mesmo relutando e resistindo até o leito de sua morte, ouviu a palavra que, com certeza, soou como uma bela música para seus ouvidos: o “Eu te perdoo” dito pela filha Victoriana.

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Vick, Roseli
e Marciellen
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Roseli com a filha Marciellen
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Roseli, mãe biológica de Vick
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