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Tem gente que vem e quer voltar, tem gente que vai e quer ficar...

Ao centro, Tina em seu aniversário de 15 anos com os pais. Setembro de 1989
Tina e Vick

   Roseli quis voltar. Maria José, ficar.

  

  Alguns anos se passaram desde que Vick chegou; a saúde de Maria José voltou a ficar mais preocupante. Sua diabetes era altíssima, assim como sua pressão arterial. Tina, a filha mais nova, conta que, um dia, Dedé (assim apelidada a mãe adotiva de Vick, Maria José) fez uma colcha de crochê bem grande e trabalhosa e, coincidentemente, sua mão direita começou a ficar dolorida, com a sensação de amortecimento. A costureira achava que esse era o motivo de sua dor, mas, infelizmente, não. O médico receitou um remédio para Maria José e, em seguida, chamou Victor, seu esposo, para conversar e revelou que, na verdade, a mão dolorida era o início de um AVC (Acidente Vascular Cerebral), uma ameaça do que poderia acontecer se ela não começasse a ser observada 24 horas por dia. A partir disso, deu-se início ao seu tratamento com medicação, fisioterapia e exames.

           

   Após receber algumas visitas em sua casa, já no final da tarde, Maria José se queixou de fome e Tina preparou café com leite e pão para ela. Instantaneamente, após se alimentar, Maria começou a sentir um mal-estar. “Ali ela já começou a passar mal no sofá, como se fosse um desmaio. É muito feio o derrame, ela começou a se retorcer, torcia a boca, o corpo. Aí foi aquela correria”, conta Tina.

   Maria José foi levada às pressas ao hospital e ficou internada. O que antes era uma ameaça, se concretizou. A costureira teve um AVC. Sua língua se enrolou, dificultando sua fala. Ela já não conseguia andar sozinha, mas se recusou a utilizar cadeira de rodas. Para levá-la de um cômodo a outro, era necessário empurrá-la na cadeira de balanço. Mas, mesmo assim, a família nunca desanimou, sempre tentou conviver com a situação de forma leve e mais descontraída. Tina (a filha mais nova antes de Vick), tinha 20 anos e era quem cuidava da mãe, pois ainda morava na mesma residência. Vick era uma criança, Victor trabalhava e a avó Almira já era idosa e não conseguia fazer muita coisa, mas sempre cozinhava para a filha; era a maneira de conseguir ajudar a família.

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  Evandro, o filho mais velho, já tinha 26 anos, trabalhava fora, era casado e morava em outra residência. Olga também não morava mais na casa dos pais, aos 25 anos era casada e mãe de duas meninas, Maria Gabriela e Carolina e estava grávida do terceiro, Rafael. Sempre que podiam, iam até a casa dos pais para ajudar a cuidar da mãe. Tina conta que Evandro, sempre muito inteligente e paciente, dava “aulas” para sua mãe, com o intuito de fazê-la voltar a falar. Todas as tardes, Olga ia até a casa dos pais e ficava fazendo companhia à mãe, dava a ela os remédios, o café da tarde e tudo aquilo que estava ao seu alcance, já que não podia fazer esforço devido à gestação. Tina dava banho, trocava, auxiliava a avó na cozinha e cuidava de Vick, a caçulinha. Enquanto Olga acompanhava sua mãe, Tina aproveitava para trabalhar em seu salão de beleza que ficava no fundo da casa.

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   Passados mais ou menos quinze dias após o derrame, a perna esquerda de Maria José inchou. Ela precisou ficar internada por sete dias sob observação, pois corria o risco de ter que amputar a perna em decorrência da não circulação do sangue que causou o inchaço. Quando melhorou e pôde voltar para a casa, o médico receitou a ela um remédio anticoagulante, para não correr o risco de inchar a perna novamente e gerar uma trombose. Porém, o remédio piorou a diabetes aos poucos. A melhora de Maria era oscilante. Às vezes, ela conseguia falar alguma palavra e gesticular melhor, mas nem sempre era assim. Até que, passados alguns dias, o estado de saúde dela piorou. Maria José estava cada vez mais fraca e dependente dos filhos.

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  No dia 3 de novembro de 1994, todo seu sofrimento aqui na terra acabou. Aos 51 anos, Deus a resgatou para perto d’Ele. “Eu colocava meu colchão na sala, que era do lado do quarto dela, e de madrugada quando ela queria alguma coisa, meu pai me chamava para ajudar. Mas um dia eu acordei de madrugada, umas cinco e pouco da manhã e a escutei gemendo de dor. Fui até a cama e ela confirmou que estava se sentindo mal e queria ir para o hospital. Quando ela falava de ir ao hospital, o negócio tava feio, porque se falasse de médico perto dela, ela já dizia que não precisava. Era mais ou menos umas seis horas da manhã. Eu liguei para o Evandro e ele a levou de carro para o hospital. Seis horas da tarde ela morreu.”, contou Tina.

Vick nos braços da mãe "Dedé"
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   Vick tinha apenas oito anos. Uma criança que ainda precisava muito de sua mãe. Ela afirma que foi o momento mais difícil de sua vida e se lembra de muitos detalhes. Quando perguntei sobre este fato, o silêncio tomou conta do ambiente. Foram exatamente 16 segundos de nenhuma palavra dita, que mais pareciam 16 minutos. As lágrimas falavam por si só. Sua primeira reação foi “Nossa! Acho que eu nunca conversei sobre isso com alguém”. No mesmo instante, à medida que seu pranto acontecia, seu olhar concentrado e perceptivelmente profundo deixava nítido que as lembranças viriam à tona naquele momento. Com sua voz embriagada em razão da emoção, Vick começa a explanar suas memórias.

   Ela conta que se lembra do dia em que Maria José teve o segundo AVC e precisou ir às pressas para o hospital. “Foi um vazio tão grande ter que levantar e me arrumar para ir à escola e não ver ela lá. Eu me senti extremamente vazia. Mas eu tinha que ir, a Tina ficava na minha cola. Mas eu me lembro dos bons tempos dela. Do tempo em que ela acordava cedinho, passava uma água no cabelo, ligava na AM, naquele programa horroroso (risos) e ia para a máquina de costura. Todos os dias de manhã. Lembro dela muito feliz nas nossas festas de família, eu só não consigo lembrar a voz dela, mas eu me lembro do cheiro, do toque, eu me lembro de tudo. Todo mundo fala que, pela Ciência, crianças de quatro e cinco anos não se lembram do seu passado, mas eu lembro”, conta Vick se referindo a sua mãe.

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Vick e sua mãe, Maria José

   O cuidado de Maria com sua filha prometida era singular, um cuidado que somente Victoriana sabe explicar. Quando pequena, Vick tinha uma dor muito forte na barriga que tinha hora para começar, mas ela afirma, com certeza, que não era “manha”, porém, somente o toque de sua mãe era capaz de fazer a dor ir embora. Quando tinha suas infecções de garganta constantes, Maria José dormia segurando sua mão. “Eu dormia do lado da cama dela, no cantinho e eu cuspia no peniquinho a noite inteirinha, sempre segurando a mão dela. Então, são coisas que talvez nem meus irmãos saibam, mas foi o que eu vivi com ela”, relembra Vick.

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   Cinco anos depois, foi a vez da avó Almira. A senhorinha já havia cumprido sua missão na terra e, devido a sua idade, os problemas de saúde começaram a surgir. Almira tinha 87 anos e morreu em junho de 1999, em decorrência de um infarto. Ao falar dela, Vick começa a se lembrar da personalidade marcante da avó. “Ela era um anjo e também o capiroto (risos). Ela conseguia ser as duas coisas ao mesmo tempo. Quando ela morreu, eu era adolescente, então não sabia se eu ria ou chorava. Com ela, eu aprendi a contar, a jogar bingo, a cozinhar...”

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  E, mais uma vez, o silêncio tomou conta do ambiente e o pranto falava por si só, mas ela continuou.

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Da esquerda para a direita: Evandro, Olga, Almira, Vick e Tina

   “Aprendi a costurar, a cuidar dela do jeito que eu conseguia, né?! Porque ela também era tinhosa. Eu cortava as unhas dela, passava o esmalte... Ela era minha companheira, mas era treze também (risos). Pra ela ninguém prestava, só nós. Eu não podia ter amigos, ela os xingavam. Eu tinha vergonha de levá-los em casa porque ela era muito mal-educada com eles, às vezes ficava no portão me vigiando e eu não podia conversar com os meus colegas. Era terrível! Era muito dramática e eu ficava irritada. Mas, ao mesmo tempo, era um amor”, afirmou Vick.

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   Ela conta que, com a avó, aprendeu a dividir. Tudo o que Almira comia, dividia com Vick. Se ela comia um lanche, guardava o hambúrguer para a neta. Detalhe: no guarda-roupa, embaixo da camisola, para ninguém ver. Quando Tina comprava chocolates, dividia com todos da casa, mas, mesmo assim, Vick ganhava mais, porque a avó sempre guardava para ela. “Se ela ganhava um chocolate, ela comia um pedaço e a outra metade guardava para mim no mesmo lugar de sempre: dentro do guarda-roupa, embaixo da camisola (risos). Então, eu fui muito mimada por ela, muito amada”, relembra Vick que tinha 13 anos quando Almira faleceu.

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   Não demorou muito e o pai de Vick também partiu.

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   Victor descobriu que estava com um nódulo na próstata. Era benigno, mas quando soube, o nódulo havia entupido o canal de urina e isso afetou os rins. Imediatamente, Victor começou o tratamento com hemodiálise, pois um de seus rins parou de funcionar. Além disso, ele também tinha diabetes.

Vick se lembra do pai na cadeira de hemodiálise. Ela conta que ele precisou ficar alguns dias no hospital e, quando saiu de lá, estava muito magro. Foi chocante para ela ver o pai daquele jeito, já que ele sempre foi forte, “gordinho” como ela disse.

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   Por conta da hemodiálise, Victor não podia beber água e nem ingerir determinados alimentos, mas quem disse que ele obedecia? “Ele era muito desobediente, tipo eu. Ele queria comer, queria beber... E ele comia e bebia! Foi uma das melhores coisas que ele já fez na vida, se ele estivesse vivo de novo. Eu o ajudava do mesmo jeito e faria os gostos de comida e bebida, como minha irmã fez até o último dia de vida dele. Dava gosto de ver!”, relembra Vick.

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Vick e os pais, Maria José e Victor, em seu aniversário de 2 anos

   No dia 7 de agosto de 2001, Victor acordou a caçula para ir à escola. Ela começou a se arrumar, mas conta que nem chegou a sair. O pai começou a ter uma crise respiratória decorrente ao enfisema pulmonar. Vick afirma que foi uma das coisas mais horríveis que já presenciou, pois ele falava, puxava o ar e fazia um barulho terrível que mais parecia uma crise de asma. Levaram-no para o hospital, mas não deu tempo nem de fazer a hemodiálise. Victor faleceu.

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   “Eu acho que ele descansou porque não aguentava mais de saudade da minha mãe. Em todos esses anos, nunca levou ninguém para casa. Ele tinha os rolos dele, mas nunca colocou alguém no lugar dela, até mesmo porque ninguém faria o lugar dela. De forma alguma! Ela era luz. Era uma ponte que ligava Rio, São Paulo e Minas. Ela ligava todos os irmãos, ligava tudo! Era nossa ponte. E eu acho que ele não suportava ficar sem ela porque eles eram companheiros, amigos. Saíam para beber juntos, dançar juntos. E eu tenho certeza que o pai se entregou porque não via mais sentido. E, quando ele morreu, foi trash. Um chororô só, eu nem me lembro de muita coisa, quis ficar sozinha”. – Vick.

   "IrMãe"

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   Enquanto a avó e o pai ainda eram vivos, Teresa Cristina (Tina) era noiva de Edmilson. Passados alguns anos, ela engravidou e o casal resolveu se casar. Naquela época, Edmilson estava desempregado, mas Victor, o pai de Tina, disse a filha que eles poderiam morar naquela casa. Tina concordou porque era ela quem cuidava de Vick e dava suporte ao pai e a avó, portanto não poderia deixá-los sozinhos.

   Após o falecimento dos dois, Tina e Edmilson tornaram-se tutores de Victoriana. Com direito à pensão que o pai havia deixado, Vick precisava de um responsável legal para cuidar disso, pois ela era menor de idade. Desta forma, a irmã e o cunhado, que já moravam com ela, assinaram o papel de sua guarda. Eles ficaram responsáveis pela conta no banco e tudo que envolvia esse dinheiro, mas, qualquer coisa de errado que viesse a acontecer, eles teriam que responder por Vick. Eram como pai e mãe.

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Vick no casamento de Tina e Edmilson. (1997)

  Tina conta que, de qualquer forma, ela sempre cuidou de Vick, mesmo quando a mãe era viva. Vick a chamava de “mamãe Tininha”.

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  “Ela não me chamava de Tina, de irmã, de nada. Era mamãe Tininha! Aquele cotoco de gente corria pela casa gritando: ‘Mamãe Tininha! Mamãe Tininha!’ Às vezes, minha mãe ou avó chamava ela para alguma coisa e ela falava ‘Não quero! Quero a mamãe Tininha!’ Com o passar do tempo, ela foi crescendo e parou de me chamar assim. Ela sempre teve mais respeito e obediência por mim, eu sempre fui a mais durona. O restante fazia muito os gostos dela. Mas era eu quem dava banho, mamadeira... Tudo era eu!”, relembra Tina.

  Quando perguntei a Vick como era o convívio entre eles após Tina se tornar sua tutora, ela explanou “PAUSA!” e, em seguida, deu várias gargalhadas. Ela conta que de forma geral, o convívio era bom. Edmilson, o “papito” (assim chamado por ela) sempre a respeitou muito. Mas ela e Tina brigavam constantemente.

 “Nessa época eu estava numa fase pré-adolescente e, dentro de casa, eu era muito introvertida, gostava de ficar muito no meu quarto, fazendo minhas coisas, quieta na minha e não gostava de sair com eles, de viajar, mas, de forma geral, era um convívio de família e eu sabia que tinha que ter respeito por eles porque eram os meus tutores”, afirma Vick.

   Vick conta que um dos momentos mais marcantes foi o dia em que ela resolveu matar aula e Tina descobriu. “Eu estava muito feliz porque eu ia matar aula e ir para o bosque. Fui na casa da minha coleguinha, contei para ela e a mãe dela ouviu. A hora que eu saí da casa dela para ir ao bosque, a mãe dela foi na minha casa contar para a Tina que eu ia matar aula com uma galera”, contou Vick em seguida de muita risada.

   Tina estava grávida. Edmilson chegou em casa para almoçar e ela disse a ele “Pega a bicicleta e vai até o bosque, porque a Victoriana disse que foi para a escola mas, na verdade, foi matar aula”. Edmilson nem almoçou. Pegou a bicicleta e foi atrás dela. Quando chegou lá, Vick estava com uma turma de colegas embaixo da árvore.

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  “Foi a conta de chegar ao bosque. Logo vi o Edmilson e ele falou: ‘Sua irmã está te esperando em casa agora! Você tem cinco minutos’ (risos). Voltando do bosque, eu encontrei com o meu pai ainda! Chegando lá, a Tina estava grávida da Yasmin e não podia correr atrás de mim, então eu entrei atrás do guarda-roupa, mas ela não perdoou”, relembra Vick gargalhando.

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Vick e Edmilson, o "papito"

  Tina também se lembrou desse fato. “Ela não chegou a matar aula, não deu tempo. Assim que chegou, já teve que vir embora (risos). Eu peguei uma cinta do Edmilson e fiquei esperando ela chegar. Ela entrou correndo no quarto e tentou trancar a porta porque sabia que ia levar uma surra. Eu falei para o Edmilson: ‘Segura a porta, não deixa ela trancar’. Nisso, eu entrei, fechei a porta e bati nela com a cinta. Ela era maior que eu, se quisesse podia me bater, mas só se defendeu. Ela me respeitou por causa da barriga porque eu estava grávida. Depois disso, abri a porta até o último e falei para ela: ‘Pronto, agora você pode ir lá para o bosque terminar de matar aula. Fique à vontade’. Virei as costas e saí”, disse Tina.

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  Tina conta que não pediu desculpas e não se arrepende disso. “As coisas escondidas, no meu ponto de vista, significam que não são coisas boas. Porque, do contrário, quando é algo saudável, pra que esconder? Pra que mentir? Eu deixava ela sair quando sabia que era tranquilo, não tinha necessidade disso. Se mentiu, é porque não era boa coisa. E ela nunca reclamou dessa correção”, afirma Tina.

 

   Nessa ocasião, Victor ainda era vivo, mas não tinha muita reação quanto a essas rebeldias de Vick, por isso concordava com as atitudes tomadas por Tina.

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   “Eu me lembro dela indo me chamar na rua vestida de roupão. Ai que vergonha! Às vezes, eu ficava lá no fundão da quadra e ela chegava gritando ‘VICTORIANAAAAA’. E ela tem esse roupão até hoje. Ele era verde, né?! Agora não tem mais cor (risos)”, conta Vick.

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   Às vezes, Vick ficava um pouco confusa. Ela fala que não teve muita identidade de mãe e, com a Tina, era difícil distinguir. “Tinha hora que ela era minha mãe, às vezes era minha irmã e acho que dentro da minha cabeça surgia a dúvida: devo respeitá-la como minha mãe ou como minha irmã? Porque é diferente!”, diz.

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  Vick ainda afirma que, conscientemente, não se sentiu afetada com essa situação, mas o seu subconsciente sim. Ela acredita que, talvez, sua peraltice tenha sido por causa disso. Mesmo sabendo que teria sua represália ao quebrar as ordens, ela continuava fazendo.

Vick e Tina, no carnaval de 1992 em Passa Quatro - MG

   “Eu nunca me senti uma estranha no ninho, mas sempre quis fazer as coisas do meu jeito, sem a ouvir gritando na minha orelha. Mas isso não era possível porque, enquanto eu estivesse debaixo das asas dela, as coisas iriam ser do seu jeito. E ela ainda é assim. Hoje, eu sou uma mulher adulta e sei que ela está certa, mas, antigamente, nós batíamos de frente. Duas bicudas se bicam, né. Foram momentos muito difíceis, mas, por conta disso, eu me tornei o que sou hoje e acredito que a Tina também. A gente foi se encaixando na vida”, conta Vick.

   Em busca de suas raízes

   Após o falecimento de Maria José, a mãe biológica de Victoriana quis se aproximar.

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   Enquanto Maria estava viva, Roseli sempre respeitou e nunca se aproximou de Vick porque havia prometido isso a Dedé. Porém, após o falecimento de Maria José, Roseli procurou Olga (filha do meio) e perguntou se era possível se aproximar de Vick.

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   “Acho que ela me procurou porque tinha virado evangélica e se arrependeu de ter doado para nós, porém, não ia jamais criar problemas para tentar pegá-la de volta, pois sabia que a Vick era muito amada e querida por nós. Mas todos merecem uma chance”, disse Olga.

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   As filhas de Roseli, Meirelen e Marciellen, foram criadas pela avó, mãe do pai delas. Mas tinham contato com a mãe. “Eu tinha dois anos quando ela nos abandonou. Foi para São Paulo cuidar da saúde dela. Depois voltou, mas, como muita gente fala as coisas, nós não sabemos o verdadeiro motivo e ela também nunca falou, mas, pelo que comentam, ela não cuidou da Vick porque não era filha do meu pai, era de outra pessoa e acho que ela se sentiu envergonhada e não tinha condições de cuidar também”, conta Marciellen.

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  Meirielen concordou com a irmã e disse que acredita que seja por questões financeiras. Como Roseli não criou nem as duas, para ela era normal a Vick também não ter sido criada pela Roseli; a diferença é que as duas tinham contato com a mãe. “Ela se achava um monstro por ter feito isso. Nossas brigas eram por esse motivo, inclusive. ‘Eu sei que sou um monstro por ter abandonado todo mundo’, era o que ela falava”, relembra Meiri.

 Victor não se importou e disse que, se Victoriana quisesse, poderia conhecer a família biológica sem problema algum. Os irmãos também não se intrometeram, mas Vick relutou. Até que um dia, a família toda foi para Passa Quatro visitar os parentes e Vick ficou em casa. E foi aí que Roseli a procurou junto com as filhas Meirielen, que tinha 20 anos e Marciellen, com 18 anos.

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Da esquerda para a direita: Marciellen, Vick, Tina e Meiri

  “Nosso tio Ronaldo que nos levou, ele é irmão do nosso pai. A Vick ficou meio resistente no começo, foi estranho o impacto de olhar para a pessoa, ver que é a sua cara, mas aí você não tem vínculo com ela”, conta Meiri.

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  “Quando chegaram de supetão e falaram ‘vamos lá conhecer sua irmã’, eu fiquei com um pouco de medo de chegar e ver que era uma pessoa que eu não gostava, mas, depois que eu a conheci, pensei ‘nossa, nunca nem vi’ (risos). No primeiro momento, foi estranho. Nós temos outra irmã por parte de pai, mas a gente sempre soube dela, tivemos certa convivência, mas com a Vick nunca tivemos nenhum tipo de contato”, relembra Marciellen.

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   “Primeiro as meninas chegaram, a Meiri e a Marci, começamos a conversar e eu as tratei bem. Na época, a Juliana, minha amiga, estava em casa e ficou arrumando a cozinha porque queria saber quem era minha mãe, foi onde eu falei ‘ah, então você vai virar empregada, porque eu vou falar o que? Que você vai ficar aqui bicudando?’ (risos) Então, ela virou a empregada. Depois, a Roseli chegou e eu não me lembro exatamente da nossa conversa porque a gente não tinha muita história para contar”, relembra Vick.

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  Além de Vick, as duas possuem outra irmã por parte de pai. Marciellen conta que o sentimento entre as quatro é diferente porque ela e Meiri nunca se separaram, foram criadas juntas, passaram pelos mesmos bons e maus momentos. “Somos irmãs e nos gostamos, mas aquele vínculo que se cria por morar na mesma casa, crescer juntas e passar por tudo unidas é uma experiência que não tivemos; só eu e a Meiri mesmo”, conta Marciellen.

Meiri
e Vick
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  Entretanto, ambas acreditam que existe, sim, o amor entre elas. Meiri afirma “Eu amei a Vick desde o momento que soube que ela existia. Para mim, não tem distinção porque, depois que você descobre que é sua irmã, não tem o que fazer, não tem como ser ex-irmã. É para sempre. O amor é o mesmo pela Helen (irmã paterna), pela ‘Mar’ e pela Vick. O que faz uma pessoa entrar na sua vida é o amor, não tem outro jeito. Nesse caso, pelo dinheiro que não é! (risos)”.

  Elas contam que Roseli não dizia nada com relação à filha que havia sido doada para outra família, nunca contou a elas o motivo disso tudo acontecer. Ela era resistente ao falar de sentimento. Mas Marciellen afirma: “Acho que falar da Vick doía mais. Ela nos largou com alguém da nossa família, com o nosso pai e avó. A Vick não! Foi entregue para outra família que ela nem conhecia. Essa deveria ser a maior dor dela. Quando a gente perguntava quem era o pai, ela não respondia e falava que, se a Vick quisesse saber, teria que perguntar diretamente para ela. A única coisa que tínhamos certeza era de que o nosso pai não era o pai dela. A gente torcia muito para que fosse, mas não”, conta.

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   Após conhecer as irmãs e a mãe, Vick se aproximou mais delas, e o convívio passou a ser maior e isso nunca foi um problema para a família que a adotou. Passaram-se alguns anos e Vick começou a estudar fora da cidade e Roseli com as filhas iam visitá-la e passavam a tarde juntas. Com o passar do tempo, Meirielen se tornou mãe de Henrique e isso as aproximou ainda mais.

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  “Quando a Vick foi para São Paulo era muito estranho. O computador ficava ligado 24 horas por dia (risos). Porque o Henrique sentia muita falta da ‘tia Vick’. Ela ligava pela webcam e ele ficava na frente do computador dançando para ela”, relembra Meiri.

“Eu acho legal conhecer a outra família, desde que você tenha sido bem-criado. Desde que você saiba quem você é dentro da família que te criou. Eu sempre vou ser a tia, a irmã, a filha, a bagunceira, a peralta, a amiga; então eu sei a posição que tenho dentro da minha família. Porque, a partir do momento que eu conheci o outro lado, eles foram minha referência biológica. Eu sabia que, quando olhasse para a minha mão, veria que era parecida com a mão da Roseli. Que meu olho é parecido com o da Meiri. O formato do meu rosto é igual ao da Marci. Então, isso foi importante para mim: o ‘saber de onde eu vim’.

Eu sempre tive minha família branca do cabelo liso e não fazia diferença, mas, mesmo sem ter essa percepção, eu não me encontrava ali. Quando eu vi, já estava fazendo escova, entendeu?! Porque a negritude do meu cabelo eu só assumi agora, depois dos 30. Eu gostava, mas, hoje, pensando bem, acho que essa era uma referência da minha família, um padrão. O filho adotivo deve dar valor naquilo que tem e ser grato às suas famílias, não uns rebeldes sem causa, ficar choramingando; a não ser que ele não se encontre ali porque tem muitas famílias que adotam, mas aquela criança não consegue fazer parte daquilo, ele não tem uma posição de filho, ele é um bastardo que alguém pegou. Mas é importante, sim, um filho adotivo conhecer sua raiz, saber de onde a mão dele veio, qual parte do corpo parece quem, porque isso faz diferença na gente. Quando não sabe, acaba tendo uma sensação diferente por dentro que você desconhece. Aí, quando conhece e vê, é um ‘redescobrir’ e isso é legal. Faz bem, você descobre que não nasceu ‘do nada’, teve uma origem. É um momento de ‘liberar’ os laços espirituais que existem. Eu cheguei à casa da Roseli e me vi naquela casa! Até a gambiarra dos fios era igual. A nossa forma de ser, de agir, era muito parecida, além da característica física. Mesmo não sido criada por ela, eu tinha pedaço dela em mim. Eu TENHO um pedaço dela em mim.”

– Vick

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Vick com as irmãs Marciellen, Meirielen e os sobrinhos Henrique e Heitor (em seu colo)
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