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"O  trem que chega é o mesmo trem da partida..."

   O que você quer ser quando crescer? Essa é a pergunta que todos nós já ouvimos alguma vez e com Vick não foi diferente. Mas nem sempre é fácil decidir. 

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Vick, atualmente em seu apartamento. No fundo, seu frigobar decorado com fotos de Elis Regina

   Vick fazia aula de canto em uma escola da cidade e participava do Ministério de música da paróquia de seu bairro onde cantava durante algumas missas. Sua voz sempre foi muito boa. Diferente dos demais adolescentes daquela época, Vick não era do grupo que ouvia rock, funk, pagode ou eletrônica. Ela era do MPB. 

 

Sua inspiração na música, Elis Regina

  Após o falecimento de Victor (o pai), Tina (terceira filha) foi quem administrava o dinheiro da pensão deixado para a irmã. Ela conta que pagou um convênio médico para Vick ter uma assistência quando precisasse e o restante seria para a faculdade. Quando estava no último ano do Ensino Médio, ela deveria fazer sua escolha e decidiu que iria estudar música. “Ela não sabia o que ia fazer, estava bem perdida. Mas aí começou a aula de canto e intrujou (discutiu) que queria entrar na faculdade de música em Taubaté. Era uma faculdade caríssima e, por ser em uma cidade bem distante, não iria ter dinheiro para tudo isso. A pensão dela não ia ser o suficiente. Não teria condições de jeito nenhum”, explica Tina. 

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  Ela explicou para Vick o motivo pelo qual não achava uma boa investir nessa faculdade. Disse que, no seu ponto de vista, seria um dinheiro investido sem perspectiva de um retorno mais rápido porque, na cidade onde moravam, era difícil conseguir um trabalho nessa área. “Eu falei para ela: ‘faz outra faculdade, se forma, trabalha e depois você tenta a música, porque, se no futuro você tiver que ser uma cantora, ninguém vai te impedir’. Mas ela não concordou, bateu o pé, disse que o dinheiro era dela e que ia fazer isso. Nisso, já começava com rebeldia”, conta Tina. 

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   Vick ficou muito irada com tudo isso e não deu ouvidos à irmã. Porém, Tina procurou ajuda com o professor de canto dela, pois já não havia mais argumentos para fazê-la mudar de ideia. Explicou a ele o seu ponto de vista quanto às decisões futuras de Vick e o porquê não achava que seria uma boa ideia. O professor concordou com Tina, contou a ela um caso parecido em que um amigo tinha o diploma de músico  mas não exercia essa função porque era uma área difícil naquela região. Ele ainda disse que iria conversar para tentar fazer com que Vick mudasse de ideia. E conseguiu!

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  “Um dia, no curso, ele conversou com ela. Disse tudo que eu já havia dito, mas com outras palavras, do jeito dele e ela acalmou e concordou. Mas teve dedo meu ali, acho que ela nem sabe. O que eu fazia e falava não era coisa da minha cabeça, tudo era na base da oração. Eu ficava nervosa, angustiada com a situação e orava, pedindo para Deus me dar uma luz para convencê-la, foi onde surgiu a ideia de falar com o professor e deu certo”, relembra Tina.

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   Após esse episódio, Tina agendou sessões com uma psicóloga para Vick. Através disso, ficou mais fácil de decidir o que iria fazer. Como ela gostava muito de cantar, a psicóloga sugeriu o curso de fonoaudiologia, pois, dessa forma, ela teria a chance de trabalhar com vozes: “Eu escolhi Fonoaudiologia achando que eu ia estudar a voz e que, na voz, eu iria atingir o canto. Eu tinha que escolher alguma coisa que tinha a ver com isso”, revela Vick.

  Tina conta que, quando Vick chegou em casa dizendo que iria prestar vestibular em Lorena para essa área, ela achava que a irmã não conseguiria passar, pois já estava muito próximo da data da avaliação. “Eu pensei que ela não fosse passar, mas ela conseguiu, teve uma boa colocação. Mas, vou te falar, ela ‘comia’ os livros, viu? Era difícil entrar no quarto dela porque era

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Início de sua carreira como fonoaudióloga
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Vick com a turma do curso de Fonoaudiologia da Unifatea

   “Na faculdade, um dos piores momentos foi quando fiquei de DP em Física. Não justificando, mas como eu sempre estudei em escola pública e também não gostava muito de estudar, eu não sabia o que fazer para conseguir absorver tudo o que passavam porque na escola eu tinha dez, cinco matérias... sei lá. Agora, na faculdade, eu tinha entre 20 e 28 matérias porque era Ortodontia prática e teórica; Anatomia prática e teórica; Biologia prática e teórica; então, para cada uma se aumentava mais uma disciplina. Eu me sentia incapaz. Sabia que nerd eu nunca iria ser até porque nunca fui, mas foi difícil”, conta Vick.

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  Ela se lembra que na sala de aula havia o grupo dos nerds, considerado o “grupo dos bons” e os alunos desse meio tiravam sarro do restante, “mexiam os pauzinhos” para prejudicar os outros. Certa vez, ela copiou a atividade de uma das alunas do grupo dos nerds, sem que a professora soubesse. Vick ficou com nota vermelha, e a outra aluna com nota máxima. “Foi um momento onde eu tive uma mistura de sensações. E também acho que sofri certo preconceito, eu era a única negra da sala e acredito que teve, sim, essa questão racial. Quiseram me mandar para a psicopedagoga falando que eu tinha déficit de atenção e hiperatividade por conta da minha dificuldade em absorver a matéria. A professora dizia que eu estava me espelhando na outra aluna e não conseguia me dar bem. Falei para ela: ‘Não, eu não estou me espelhando. Primeiro porque eu não entendo sua matéria e segundo que eu não gosto mesmo de você, mas eu estou aqui, preciso aprender, tenho que passar de ano e, para isso, tenho que fazer alguma coisa’. No final das contas, ela não me deixou de DP”, justifica Vick que, em seguida, deu uma gargalhada no sentido de “ela tentou me prejudicar, mas eu fui mais rápida”. Jeito Vick de ser...

  Vick se formou em Fonoaudiologia, mas não possui foto alguma do dia de sua formatura. Aquele momento não foi tão especial quanto deveria ser. “Eu briguei com a Tina e ela não foi. Ninguém foi, na verdade. A Iaiá (Olga) já tinha se mudado para cá (Mogi das Cruzes), se não me engano e eu até entendia. Mas eu e a Tina brigamos por causa de roupa, eu com o meu jeito autoritário e ela com o dela, foi um fervo. Na verdade, foi ‘O’ fervo. Então, eu me arrumei na casa da Dani (colega) e fui. Não tenho foto de beca. Tem uma foto com o povo da sala só, que serve para provar que eu me formei (risos)”, relembra Vick.

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Hoje Vick carrega o nome bordado no jaleco

  Ela garante que não sente mágoa por isso, pois é passado, mas foi um momento em que ela se sentiu como uma criança no meio dos demais, procurando alguém da família. Mas ninguém chegou.

   Saindo da zona de conforto

  Após a faculdade, Vick retornou para Cruzeiro. Continuou morando com a irmã Tina; depois foi para a casa de uma amiga, Ângela. E ainda ficou na casa de Meiri (irmã biológica) por um tempo. Como Vick não encontrou emprego na sua área em Cruzeiro, ela resolveu se mudar para Mogi das Cruzes.

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  O ano era 2011, Vick tinha 26 anos. No início, ficou na casa da irmã Olga que havia se mudado para a cidade há mais ou menos quatro anos com a família. “Eu fui para trabalhar em uma multinacional. No momento do exame admissional eu falei para a fono que ia fazer meu exame, que eu escutava em 10 DB’s. Ela achou a linguagem muito apropriada para a área e perguntou por que eu estava falando aquilo para ela e eu disse que também era fono. Ela não me deixou trabalhar na empresa e falou que não iria ficar confortável de saber que ia entrar uma pessoa formada em fonoaudiologia para trabalhar no telemarketing, sabendo que precisava de uma fono para trabalhar junto com ela, e aí, ao invés de entrar como tele atendente, eu entrei como fonoaudióloga”, contou Vick.

  “Acho que a maior dificuldade que eu passei foi quando me mudei pra cá (Mogi). Eu sou muito grata a Olga e ao Arildo (cunhado) por terem me dado a oportunidade de ficar na casa deles por um tempo, mas, no início, acho que, por ser tudo novo, eu estranhei. Até que um dia a Olga cantou a bola e perguntou se eu não ia tomar um rumo. Aí eu consegui uma quitinete no Bunkyo, depois de muito choro e muita reza. A Priscila (colega de trabalho) me ajudou muito também”, conta Vick.

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Vick e Arildo (cunhado)
Vick em sua kitnet. Legendou essa foto como "Um cantinho, um violão"
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  O tempo foi passando e várias experiências surgindo. Vick teve que aprender a lidar com todas elas sozinha e fez de cada obstáculo um degrau para subir e chegar onde está. Atualmente, Vick mora sozinha em um apartamento na cidade de Mogi das Cruzes e trabalha como fonoaudióloga home care, ou seja, ela vai até a casa de seus pacientes para auxiliá-los em todos e quaisquer problemas relacionados aos distúrbios de fala, cada qual com sua individualidade.

  “Eu não trabalho, né?! Eu me divirto! Faço o que eu gosto. Tem patologia que eu não gosto de tratar, e não trato! Hoje, eu escolho algumas coisas. Quando me formei, eu não escolhia trabalho, agora eu posso fazer isso. Algumas empresas me pagam muito e as pessoas falam ‘nossa, não acredito, como assim um home care que ganha isso?’ Não posso fazer nada! (risos) Eu dou resultado, só que dou resultados sendo gente e não sendo fono porque, às vezes, o que o paciente precisa é da minha presença. Alguns ficam 72 horas, 80, 90...365 dias dentro de um quarto. Outros, não saem para nada e eu acabo sendo a única coisa que ele vê, aí eu vou chegar toda profissional? Não tem como não fazer um carinho ou não ser da família. Hoje, eu faço parte de muitas famílias. Eu sento, converso, trato o tio, a vó, a irmã, as filhas, o avô... como psicóloga, como fono e, principalmente, como pessoa. Eu gosto de gente! Gosto de conversar, de instruir quando tenho conhecimento para isso...Alguns dizem ‘ai, você só trabalha’. Não, eu só me divirto! Às vezes, é ruim ter que levantar porque eu gosto de dormir. Muito! (risos), no mais, é uma diversão responsável, vamos dizer assim, porque são vidas. Mas eu gosto”, afirma Vick.

   “Eu sempre gostei de música, mas a minha primeira referência musical foi o meu irmão (Evandro). Quando o via tocar, eu me apaixonei pelo violão, pelo som das cordas”, afirma Vick. 

aquele monte de revistas, jornais, livros, apostilas; tudo esparramado. E ela mal saía lá de dentro”, lembra Tina.

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   Você pensa que as discussões acabaram por ali? Errado! A faculdade era em Lorena, mas, como a cidade não é tão distante de Cruzeiro (município em que moravam), tinha como ir de transporte escolar ou, até mesmo, ônibus. Mas Vick não quis, ela queria se mudar para Lorena. Tina, mais uma vez, não concordou, achou que seria desnecessário, pois havia outros meios de ir e voltar todos os dias e que gastaria menos dinheiro. Mas Vick se foi e Tina não proibiu, pois ela já não era mais criança. Quem ajudou com a mudança foi o irmão, Evandro. Vick morava em uma república com oito garotas.

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